sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Os 4 Compromissos


Os 4 Compromissos

“A vida é o sonho que sonhamos.”- Sabedoria Tolteca

“Não há razão para sofrer, a única razão é porque você escolhe, se observar sua vida, encontrará muitas desculpas para sofrer, mas nenhuma razão válida. O mesmo se aplica a felicidade, a única razão para ser feliz, é porque você decide ser feliz. A felicidade é uma escolha, assim como também é o sofrimento.” – Don Miguel Ruiz

Final de ano, fechamento de ciclo, festas, família, presentes, consumo, comidas, correria, stress, celebrações, amigo-oculto. São tantos compromissos que o que era para ser celebrado, algumas vezes pode se tornar um stress.  É muito importante tomar consciência de onde se está colocando a energia. Pensar gasta energia. Emoções também, principalmente se vêm com uma dose extra de drama. Correr para um lado e para outro, acelerando o ritmo para dar conta de tudo, nem se fala!

Fazer as coisas mecanicamente é que precisa ser avaliado. Estar  mecânico é fazer as coisas feito um robô. Fazer sempre as mesmas coisas, ou da mesma forma, sem nem se lembrar o sentido de estar fazendo. Isso pode trazer um vazio. Falta de significado que pode levar à desmotivação. A vida precisa ter um sentido para ser colorida. Se não vira uma eterna obrigação.

Também desperdiçamos energia nas promessas que fazemos, principalmente as não cumpridas. É como se deixássemos um pedaço de nós com outra pessoa e nunca mais fossemos buscar. Pode parecer bobagem, mas se a palavra conduz uma energia, uma promessa tem uma carga de energia muito grande, pois o outro fica na expectativa. Um exemplo simples é quando entramos numa loja, olhamos tudo, não compramos nada e falamos para o vendedor: “depois eu volto”. Se não existe essa intenção de voltar, é como se você tivesse deixado lá uma parte sua, uma promessa, um compromisso. Isto pode gerar um gasto de energia.

As palavras tem muito mais força do que podemos imaginar, pois criam estados emocionais em nós e no outro. Criam vínculos, podem aproximar pessoas ou afastá-las. Então imagine quantos fios foram deixados por palavras que não se cumpriram. Uma boa meditação de fim de ano, é recolher esses fios de promessas e compromissos que não tiveram um fechamento, para entrar o ano zerado, disponível para o novo. Lembrar onde possivelmente você deixou uma parte sua, com alguém ou alguma situação e imaginar que estão sendo recolhidas. Se preciso for e você sentir, peça perdão ou agradeça. Essa é uma forma de se liberar.

Na filosofia Tolteca, civilização que viveu há mais de três mil anos no México, acreditavam que a vida é um sonho. Uma criação num ambiente material feito de luz e energia. Existe um sonho coletivo que é criado pelo conjunto de sonhos individuais. E que o sonho vivido no presente é fruto do sonho vivenciado pelos ancestrais. Criamos quando pensamos, e de acordo com valores e crenças. Essas vão motivar uma forma de agir, tornando real o que antes era interno.

Acontece que dentro de nós existem conflitos, muitas vezes gerado pelo medo. Julgamos e punimos os outros e também a nós mesmos. O ódio por alguém, o faz ficar vinculado ainda mais a essa pessoa e faz também coisas negativas acontecerem. Quanto mais rápido nos livrarmos de ódio, medo, culpas, julgamentos, mais rapidamente poderemos elevar nossos pensamentos para criar a realidade que realmente queremos. Medo drena energia assim como também a culpa. O amor a mantém e a expande, além de trazer relaxamento. Os sábios toltecas ensinavam que se economiza muita energia aceitando o próximo e a si mesmo.

Podemos criar nosso inferno assim como o paraíso, tendo consciência de como estamos canalizando nossa energia. Segundo Don Miguel Ruiz, em seu livro “Os quatro compromissos, da filosofia Tolteca”, se mantivermos o foco em quatro compromissos sagrados, podemos alternar um sistema de crenças e valores que pode transformar o inferno em paraíso.

São eles:

1.      A impecabilidade da palavra – Ser impecável com a palavra significa ser verdadeiro. Falar a verdade ou o que se acredita que é o certo. Ser sincero é ser fiel a si mesmo. Falar a verdade e empregar corretamente as palavras, traz limpeza e equilíbrio. Mentir para si mesmo pode causar danos incalculáveis até mesmo de saúde. A verdade abre caminhos, constrói confiança e fortalece vínculos.

2.      Não leve nada para o pessoal – Comentários maliciosos, ofensas mesmo que dirigidas a você não devem receber importância. Se você valorizar você irá assimilá-lo como uma verdade. As pessoas emitem opiniões baseados em suas próprias crenças. Vivem um sonho diferente do seu, e o que fazem é projetar no outro o que se passa em seu mundo interno. Pessoas agressivas vivem no medo. Ser verdadeiro e compassivo e manter seu estado de amor, vai fazer com que essa projeção volte para a pessoa que a emitiu. A todo momento, recebemos convites para sair do paraíso e ir para o inferno, do amor ao medo. Se tivermos valores e condutas firmes, é possível não cair e ainda ajudar pelo exemplo, aqueles que estão precisando.

3.         Não tire conclusões – O conhecimento não tem fim, podemos sempre agregar novas idéias e aprender sempre mais. Tirar conclusões precipitadas ou erradas nos fazem julgar e culpar uns aos outros. Essas reações causam um veneno emocional e um desgaste de energia. Perguntar até ter um esclarecimento completo sobre o assunto é o ideal. Podemos concluir e justificar baseado em conhecimentos prévios, modelos mentais, ou seja, fechamos o assunto por nossa conta, sem checar o que realmente se queria dizer. Pergunte e esclareça.

4.      Dê sempre o melhor de si – Em tudo o que você fizer, faça o melhor que você pode. Colocando em prática os três primeiros, você consegue dar o melhor de si. E dando o melhor de si, consegue colocar em prática os três primeiros. Todos os seres humanos merecem ser felizes, ainda estamos enredados num mundo de ilusão, onde acreditamos ser vítimas. Temos muito mais poder pessoal do que acreditamos. Ter um propósito de vida, sentir merecedor, expressar quem você é de forma autêntica é um caminho para a realização. Podemos ser nosso pior algoz, mas também podemos estar em paz com nossa consciência e aceitar o fluir da vida que sonhamos.

Boas Festas!

Sílvia Rocha

Psicóloga Transpessoal Junguiana, Arteterapeuta, Consteladora familiar sistêmica.

CRP: 05/21756


quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

9 Tipos 9 Paixões (continuação)


9 Tipos 9 Paixões

Continuação

“As mesmas coisas que desejamos evitar e esquecer revelam-se a ‘prima matéria’ da qual provém verdadeiro crescimento.”Andrew Harvey

“Volte-se para dentro de sua própria alma e aprenda a conhecer a si mesmo. Assim entenderá por que tinha de padecer deste mal e talvez, a partir daí, você seja capaz de evitá-lo no futuro.”- Freud

“A conscientização tem o poder de curar.”- Surya Das

            Na semana passada escrevi sobre o Eneagrama - os nove tipos de personalidades. Porém ficou faltando o nono. Os leitores mais atentos podem ter se perguntado se foi alguma pegadinha.  Ficou apenas faltando dizer que continuava esta semana. Então, segue o nono e mais algumas considerações sobre esse sistema.

            9. O Mediador ou pacifista – O lema de um tipo 9 poderia ser: “Não importa para mim tanto faz” ou então: “Mantenho a paz.” De fácil convivência, pessoas desse tipo são receptivas e fáceis de contentar, podem passar de seu próprio limite para manter a paz e evitar conflitos devido a sua complacência. Os desejos dos outros são seus desejos. Conhecem as necessidades alheias melhor do que as próprias; agradáveis, a raiva sai de forma passiva. Precisa aprender a dizer não e a saber o que quer. Pode levar a paz ao mundo, são bons mediadores, conselheiros, negociadores.

Essas paixões podem se transformar em aspectos de maior consciência ou virtude correspondente. Os tipos do Eneagrama, demonstram aquilo que mais nos preocupamos, e segundo a filosofia Sufi aquilo que precisa ser resgatado em nossa própria essência. Sendo assim, as características da essência (as virtudes) são o oposto do aspecto mais difícil do tipo. A consciência superior está vinculada ao seu aspecto mais negativo. Assim podemos fazer uma escada em ascensão que enuncia a superação de cada tipo através de uma expansão de consciência.

Por exemplo: o tipo 1 que persegue a perfeição possui em sua essência a sabedoria e a ponderação. O tipo 2, que quer agradar, cuidar do outro e é orgulhoso de suas próprias habilidades, possui em sua natureza o dom de ser bom consigo mesmo  e ter compaixão pelos outros, além de uma autêntica humildade. O tipo 3, realizador, busca conquistar e ter sucesso tem em sua natureza o talento de ter prazer na vida e valorizar os outros. O tipo 4, melancólico, possui em sua natureza a habilidade de perdoar e renovar. O tipo 5,  tem o desejo de ser competente, por isso observa e julga, sua natureza é ter os pés na realidade e a contemplação das riquezas do mundo. O tipo 6, ansioso que teme até as coisas que não estão acontecendo, tem em sua natureza, a coragem. O tipo 7, tenta superar o vazio interior enchendo-se de experiências com uma gula pela vida, sua natureza é ser feliz contribuindo para as experiências de todos. O controle do tipo  8, o leva a afirmar-se com obstinação, sua natureza é ser forte e influenciar o mundo. O tipo 9, com sua preguiça de se implicar na vida, revela em sua natureza uma fonte de aceitação e bondade.

O Eneagrama é um sistema de desenvolvimento humano, como diz Helen Palmer, em que “cada visão do mundo é enraizada numa paixão emocional específica desenvolvida como estratégia de enfrentamento infantil.” Muitas vezes é difícil termos consciência de nossas paixões, pois elas são nossos pontos cegos. É mais fácil identificar no outro do que em si mesmo. Porém o que você enxerga no outro pode ser que ele mesmo não enxergue ou se trate de uma projeção sua, que significa ver no outro o que na verdade é seu. Por isso o trabalho deve ser individual, um mergulho para dentro de si mesmo é mais indicado do que apontar o dedo para fora.

O sistema do eneagrama nos permite traçar uma jornada da sombra à luz, percebendo os aspectos que necessitam de trabalho. Convida ao respeito pela dificuldade alheia e a de si mesmo. O perigo está em cair numa estereotipia, quando passamos a reduzir uma pessoa ao seu tipo principal, sem se dar conta do ponto em que ela se encontra do seu auto-conhecimento, ou saber de seus interesses. É como por exemplo, identificar uma pessoa como tipo 4 e esperar que ela vá ser uma artista, sem saber se ela apesar de emocional e criativa tem interesse por arte. Ou esperar que um tipo 2 seja manipulativo. Qualquer pessoa em seu momento mais difícil vai ter a tendência de manifestar suas dificuldades. Mecanismos de defesas aparecem quando a sensação de desproteção reina. A personalidade é organizada como forma de estar no mundo, respondendo às demandas exteriores, mesmo que seja um pouco diferente ou adaptada ao que a pessoa é em essência.

É um estudo muito mais amplo e complexo do que este resumo apresentado aqui.  E com certeza mais dinâmico e fluido. Que possa servir como um ponta pé inicial, o despertar de uma busca por si mesmo. Que possa trazer mais reflexões do que conclusões, mais aberturas do que tentativas de enquadramento. Mais saídas de sofrimentos e mais amor!

Auto-conhecimento e relacionamentos beneficiam-se de sistemas como esses quando o apoio mútuo, a aceitação e o encorajamento para a mudança seguem juntos em parceria e cumplicidade. Críticas e julgamentos só vão fazer destruir e deixar as pessoas inseguras. Não há nada melhor e mais incentivador à mudança quando nos sentimos aceitos justamente como somos.

Sílvia Rocha – psicóloga transpessoal junguiana, arteterapeuta e consteladora familiar sistêmica –

contato: silviaayani@gmail.com e www.silviarenatarocha.blogspot.com.br

 

           

 

 

9 Tipos 9 Paixões


9 Tipos, 9 paixões

“Descubra o que você é e seja-o” - Píndaro

                O Eneagrama da personalidade é um modelo psicológico moderno que resultou da união de diversas antigas tradições de sabedoria e da psicologia moderna. Alguns autores citam Gurdjieff como tendo introduzido no ocidente através de fontes Sufis. Tem sido usado para psicologia clínica, no desenvolvimento empresarial, para auto-conhecimento e em alguns círculos espiritualistas. Vem ajudando pessoas de todos os credos, raças e nacionalidades a se conhecer. Sem auto-conhecimento não poderemos alcançar níveis muito altos de espiritualidade pois sempre teremos o ego para nos desafiar.

                Quando uma pessoa identifica seu tipo no eneagrama ou eneatipo, ela pode começar a trabalhar nas questões principais que pedem lapidação. Podemos identificar características nos nove tipos, mas tem um que vai definir melhor sua personalidade. A sua energia psíquica vai estar investida emocionalmente em uma determinada paixão ou motivação. Conhecer essa tendência sua e de pessoas próximas vai fazer com que nos tornemos mais compassivos, além de possibilitar um caminho para a transcendência de dificuldades.

                Eis os tipos:

1 – O Perfeccionista ou reformista– Sua visão é de que “O mundo é um lugar imperfeito e é necessário realizar um trabalho voltado para o aperfeiçoamento.” Busca a perfeição por isso preocupa-se com o erro e sente-se impelido a repará-lo, quase como um herói, o que acarreta um custo de enrgia muito grande. Sentem raiva quando algo não sai de acordo com o que pensam ser o certo e esta raiva impulsiona uma ação. Seguem princípios e são éticas mas acabam sendo escravas de sua rigidez. Nos relacionamentos são possessivos e ciumentos. Precisam aprender a relaxar.

2 – O doador ou ajudante – Voltado para o aspecto interpessoal, sua visão de mundo é: “As pessoas dependem de mim, sou necessário.” São amigáveis, empáticas, afetuosas mas também podem ser sentimentalistas e aduladoras. Esforçam-se para agradar o outro e na verdade temem não agradar. Dependem da aprovação do outro e podem manipular para conseguir o que querem, dependendo de seu grau de sanidade. Orgulham-se de serem úteis e querem ser indispensáveis.  Tem dificuldade de cuidar de si mesmo e  reconhecer suas próprias necessidades. Seduzem para não ficarem sozinhos. Ficar sozinho é onde mais crescem e precisam aprender a receber.

3 – O realizador – Imagem e status são o que almejam, acreditam que:  “O mundo valoriza um campeão”. Movido pelo sucesso, são seguras de si e colocam no trabalho uma paixão excessiva. Competitivas podem se tornar workaholics, viciadas em trabalho. Sentem-se amados por suas conquistas. Gostam de aplausos. Identificam-se muito com o papel social que desempenham, cargo que ocupa. A ênfase está no prestígio e nos ganhos. Podem confundir bem estar financeiro com o emocional. Precisam aprender a mergulhar fundo nas emoções e sentimentos e descobrir que tem valor pelo que são e não pelo que fazem ou quanto ganham.

4 – O romântico trágico ou o individualista – Romântico e introspectivo o tipo 4 acredita que “Algo está faltando. Outros o tem, mas eu não. Fui abandonado.” Os românticos querem se relacionar com pessoas indisponíveis, acreditando que serão felizes se... Veem o melhor naquilo que lhe falta. Sentem-se como se tivessem cometido um erro e que a felicidade mora em outro lugar. Melancólicos, crescem quando aprender a sentir satisfação com o que têm.  Precisam eliminar a auto-sabotagem. Podem ser muito criativos e inspirados e capazes de renovarem-se. Basta saber que a perda é real, chorar e partir para outra. Aceitar o que está a seu alcance.

5 – O observador ou investigador -  Vivem no mental e gostam de privacidade, sua visão é: “O mundo é invasivo. Preciso de privacidade para pensar e recarregar minhas baterias.” É concentrado, gosta de pouca visibilidade e não gostam de ter necessidades. Reduzem seus contatos e posses para uma auto-preservação.  A avareza nesse sentido o protege. O domínio de seu intelecto também o faz um observador, distante das vivências das emoções. Precisam questionar a crença de que sentimentos levam à dor. Podem aprender também a valorizar a espontaneidade e unir mente  e emoção. Podem vir a ser pioneiros e visionários adiante de seu tempo.

6 – O Patrulheiro ou Partidário  - Valorizando a segurança, sua visão é: “O mundo é um local ameaçador e as autoridades são questionáveis.” O medo leva a lutar ou fugir. Sempre desconfiados precisam encontrar pessoas para se vincularem para diminuir o temor de auto-preservação. Amigos diminuem o medo, pois dão suporte. São capazes de se engajar em causas sociais, são esforçadas e responsáveis e dignas de confiança. Indecisas, reativas e algumas vezes rebeldes devido a uma insegurança interior, precisam aprender a confiar e a verificar se os temores são reais ou pura imaginação.

7 – O epicurista ou estusiasta – Espontâneas, versáteis, brincalhonas, joviais e otimistas a visão de tipo sete é: “O mundo é repleto de oportunidades e opções.” Também são dispersas e pouco disciplinadas, mas quando focadas realizam metas com alegria. Costumam assumir mais tarefas do que podem dar conta por serem impulsivas. Optar pelo prazer pode ser um escape da dor, pode aprender a aprofundar mais ao invés de optar pela superficialidade e também assumir compromissos reais.

8 – O patrão ou o Desafiador – Forte e dominador, seguro de si e assertivo os tipos 8, tem como visão: “O mundo é um lugar injusto. Eu defendo os inocentes.” Por precisarem do controle das situações acabam por ser intimidadoras. Tem dificuldades com a intimidade emocional, são orgulhosas e protetoras. Tomam a iniciativa e são convictos de que tem alguma verdade. Precisam aprender a esperar e a ouvir antes de agir para não serem tiranos. Mestres do auto-domínio podem vir a deixar sua marca heroica na história.

 

               

               

               

Arquétipo do Curador


Arquétipo do Curador

“Este caminho tem um coração?

Se tiver o caminho é bom, se não tiver não presta.”

Carlos Castaneda

“Curar é aprender a confiar na vida.”- Jeanne Achterberg

“Se existe na vida uma panacéia, a cura para tudo, só pode ser a auto-estima.”

Paul Solomon

 

                O arquétipo que faltava para completar o Caminho Quádruplo, da antropóloga Angeles Arien, o arquétipo do curador, é uma estrutura inconsciente que todos os seres humanos têm dentro de si. Uns mais outros menos, uns fazem dele uma profissão, outros utilizam para si próprios e para suas relações. Porque falar de cura é falar de amor. Quando estamos bem, com saúde e equilíbrio, estamos num estado de amor. Quando este estado nos falta, aparecem as doenças físicas ou mentais que vem para tentar resolver um conflito interno, somatizando emoções que não tiveram um canal de expressão.

                “Prestar atenção ao que tem coração e significado”, é o que as culturas indígenas, segundo Arien apoiam como princípio.  É bom sempre examinar como anda nosso coração: Em algumas situações vivenciamos o coração pela metade, quando isso se dá recebemos e doamos apenas pela metade, quando não há inteireza significa que estamos desconfiados, magoados ou que já não existe mais motivação. A solução é resolver o conflito dessa situação ou sair dela. Não podemos amar pela metade, assim como não existe confiança pela metade. O coração fechado significa que você está na defensiva em relação a alguém ou a alguma situação. Essa resistência vem por uma mágoa que causa a resistência. É tempo de atualizar a situação sabendo que o que foi passado não tem que se repetir no presente. Mágoas se curam chorando a dor e perdoando, só assim é possível reabrir o coração. Um coração confuso e cheio de dúvidas pede uma parada para esperar pela clareza. Agir com um coração assim só vai trazer ambivalência e pode causar dor.  Purificar o coração requer tempo e um processo de deixar o amor e a fé tomarem conta novamente. Quando o coração não está forte significa que nos falta coragem. Coragem de ser autêntico, de dizer a sua verdade. Um coração pleno, aberto, puro e forte é a fonte da saúde física, emocional e espiritual.

                Cura também pode ser entendida como inteireza, e nesse sentido levamos uma vida inteira para nos sentir inteiros, integrados e realizados. Para a terapia sistêmica a cura vem quando restauramos vínculos, possibilitando que o amor volte a fluir. Curar é criar o novo, ao invés de repetir padrões neuróticos. Curar é expressar sua plenitude, é ser quem você realmente é. Nas palavras de C. G. Jung é “o caminho da individuação”. Caminho, pois se pararmos estamos mortos. Parar é enrijecer. Caminhar significa viver, é estar sempre em busca. Neste sentido, a incompletude nos move para frente numa busca pela completude.

                O curador na nossa cultura, seja ele médico, psicólogo, terapeuta, fisioterapeuta, etc. é aquele que promove a cura, o restabelecimento, a reconexão da pessoa com sua própria força de cura e de vida. Ninguém cura ninguém. Sendo assim, o curador é aquele que consegue despertar o curador interno de seu cliente. Numa organização podemos encontrar o curador naquelas figuras que promovem o bem estar e um bom relacionamento entre as pessoas. Onde existe amor e alegria é ali que está a cura. Cantar, dançar, contar histórias e silenciar tem sido bálsamos de cura em diversas sociedade. Diz-se até que as sociedades que dançam tem sido as mais saudáveis. O ritmo é a alma da vida, segundo Arrien, e quando saímos dele, é que surgem os problemas.

Sentir-se pertencendo e reconhecido também traz saúde. O reconhecimento traz uma sensação de estar no lugar certo, do que eu faço tem valor para a comunidade. Sinto-me respeitado e digno de pertencer. A solidão e o isolamento é uma das causas da depressão. A capacidade de vincular-se, de dar e receber reciprocamente é o caminho de volta à saúde.

A sombra do arquétipo do curador é cuidar de todos e não cuidar de sua própria saúde e bem estar.  Lembra a figura de um mártir sofredor que entra num padrão de negação da vida e abre as portas para a doença. É o Quíron, na mitologia grega, o curador ferido. E porque se fere pode ter compaixão e desenvolver cada vez mais formas de cura e de ajuda. Também podemos perceber quando o desejo de ajudar se torna nocivo. Aquele que ajuda, torna-se superior, mais forte, poderoso. É preciso sempre sondar a sombra do poder, pois o poder é oposto ao amor e sem amor, não existe mais cura. O curador que tem a coragem de mergulhar em sua própria dor, doença, dificuldade vai ser aquele que vai poder facilitar o terreno para que o outro também se cure. Sombras sempre haverão porque somos feitos de luz e sombra. Não é extingui-las, mas sim tomar conhecimento delas para não sermos assaltados por elas.

O trabalho de auto-conhecimento do curador é imperativo, pois ele só pode levar o outro até onde ele mesmo chegou. Um curador para entrar num estado de amor, precisa antes de mais nada, reconhecer seu próprio valor através de sua auto-estima e amor próprios. E saber agradecer pelas dádivas que recebe ao facilitar uma cura.

 

Sílvia Rocha – psicóloga transpessoal junguiana (crp:05/21756), arteterapeuta e consteladora familiar sistêmica


 

 

               

               

Por todas as nossas relações


Por todas as nossas relações

“Todos os seres do universo são inter-retro-conectados, formando a comunidade cósmica. Os seres vivos são todos parentes entre si, pois todos – da bactéria originária aos seres humanos – possuem, fundamentalmente, o mesmo código genético. Isso nós o sabemos hoje por causa da ciência.

Os povos originários, nossos indígenas, o sabiam muito antes da ciência. Sabiam pela intuição e pelo coração, que os colocam em íntima comunhão com tudo o que existe no universo.

Eles sempre mativeram o casamento entre o Céu e a Terra, do qual nascem todas as coisas.”

Leonardo Boff

                Aho Mitakuye Oyasin é uma expressão do povo nativo Lakota dos Estados Unidos, que significa “por todas as nossas relações”. Aponta para uma consciência de interconexão com toda a criação: "estamos todos ligados". Uma oração de unidade e harmonia com todas as formas de vida. Consideram o sol como avô, a lua como avó, a Terra é mãe e o céu é o pai. Assim todas as formas de vida são nossos parentes. Ancestrais não são somente os parentes que vieram antes, mas toda vida na Terra que coopera para que eu esteja aqui. O sol aquece a Terra e nos dá a vida, os pássaros ajudam a fertilizar a terra, a chuva é essencial para a existência da floresta, as árvores com suas raízes ajudam a fixar o solo que nos dá os frutos, e assim por diante.

                Em termos científicos, o pensamento sistêmico, segundo Fritjof Capra, “alude ao pensamento em termos de relacionamentos, padrões e contextos”. O padrão básico de organização de todo e qualquer sistema vivente é em formato “rede”. Ecossistemas são verdadeiras teias de alimento e redes de organismos; organismos são redes de células; e células são redes de moléculas. Rede é um padrão comum a todo tipo de vida. Onde quer que nos deparemos com vida, constataremos redes. E numa rede, se um ponto sofre alguma modificação vai influenciar todo o resto do sistema.

                Como na teoria do caos, de Lorenz e sua famosa frase: “O bater das asas de uma borboleta no Brasil pode causar um tornado no Texas”, essa teoria traz explicações de fenômenos não previsíveis. Portanto, a Teoria do Caos é um padrão de organização dentro de um fenômeno desorganizado, ou seja, dentro de uma aparente casualidade.

Uma vez ouvi uma história que ilustra bem o que falamos: “Um casal teve uma discussão em casa e o marido sai para trabalhar, pega seu carro e no sinal vermelho, um menino vem vender balas, ao que o homem já estressado, se assusta e empurra o garoto, que cai perdendo todas as balas que se espalham e são amassadas pelos carros já em movimento.  Mais tarde o garoto é surrado pelo pai e quase morre, por não ter trazido dinheiro para casa. No dia seguinte o marido lê no jornal a notícia do pai que quase mata o filho e comenta com sua esposa: “nossa como o mundo está violento!” Li, desta vez na internet, uma outra história mais otimista dessas interconexões: “Uma senhora dirigia seu carro pela estrada com uma forte tempestade e seu pneu fura. Um carro pára na sua frente e um jovem se oferece para trocar seu pneu. A senhora oferece dinheiro ao rapaz que nega e diz somente para fazer o bem para a próxima pessoa que vir. Então a senhora pára numa lanchonete já tarde da noite e uma garçonete grávida de seus 8 meses a serve. Ao recolher a louça deixada pela senhora ao sair, a garçonete se surpreende com uma alta gorjeta deixada pela senhora. Em casa, comenta com o marido que a gorjeta veio em boa hora para ajudar com a chegada do nenen e pergunta a ele como foi seu dia. Ele responde que ajudou uma senhora na estrada a trocar o pneu de seu carro.”

Conexões ocultas, são esses fios invisíveis que ligam acontecimentos, destinos, encontros, a influência de ações. Um simples sorriso pode modificar o dia de alguém, perder um avião ou ônibus pode fazer você conhecer outras pessoas que irão influenciar sua vida. O deixar cair de uma ponta de cigarro na floresta pode causar um incêndio de sete dias causando o sofrimento de animais, alteração climática e danos para a saúde da população.

Estar atento ou desperto a essas conexões, é algo que os indígenas fazem por saberem que estão dentro desta teia que é a vida. O que isso pode nos proporcionar? Um nativo das Philipinas observando o movimento dos animais, percebeu a vinda do tsunami e tentou em vão avisar a população. Sua tribo se protegeu em locais mais altos. Mas muitos desavisados, não.

O pensamento complexo de inter-relacionamento e interdependência nos faz reavaliar todo nosso modos vivendi, a sair da ilusão de separação. Convida-nos a sair da individualidade, para uma proposta de vida mais cooperativa, humana e a favor da vida. Na filosofia Ubuntu, do povo nativo da África do Sul, “eu sou quem eu sou porque nós somos” e “como ser feliz se o outro está triste?” Essas filosofias sistêmicas trocam o pensamento competitivo, corrupto, consumista do ganha-perde para a cooperação e confiança do ganha-ganha. Minhas ações no mundo acabam voltando para mim neste círculo da vida.

Aho!

Sílvia Rocha – Psicóloga Transpessoal Junguiana, consteladora familiar sistêmica e arteterapeuta.


 

 

 

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Arquétipo do Mestre


Arquétipo do Mestre

Em Homenagem ao dia dos Mestres!

“O sonho tem início com um mestre que acredita em ti, que te puxa, te empurra e te conduz ao próximo degrau, às vezes te aguilhoando com uma vara pontiaguda chamada verdade.”

- Dan Rather

“Ser educador é ser poeta do amor.” – Augusto Cury

 

O caminho do Mestre segundo “O Caminho quádruplo” da antropóloga  Angeles Ariens,   permite acesso ao recurso da sabedoria. Diferentemente de conhecimento, que é a soma das informações que colecionamos ao longo da vida, a sabedoria nos leva para além de livros e manuais, envolve o refletir e sobretudo saber o que fazer com o conhecimento.  A sabedoria é um conhecimento interno que desperta na medida em que vivemos, experienciamos e compartilhamos.

Em todas as culturas temos conceitos de educação e transmissão de conhecimento.  Aprender e ensinar, é um processo universal, seja através de uma instituição como a escola, ou através da convivência, transmissão oral ou por experiências. Já temos sabido que o melhor método de ensino é por modelo, dando exemplos. A criança aprende muito mais o que observa e vivencia do que o que escuta, daí ser tão importante a concordância entre o falar e o agir. Aprender não significa apenas assimilar os conteúdos programáticos, teóricos e conceituais. Aprender também envolve o processo de aprender a aprender, saber onde buscar, como, questionar, refletir, descobrir e se descobrir.

Daí chegamos a outra diferença que é entre professor e educador. Ser professor passa pelos aspectos formais do ensino acadêmico. Já o educador passa pelo relacionamento com seus alunos, provocando-os a despertar para suas potencialidades.  O humano em sua plenitude é convidado a participar, e o processo de educação transcende o intelectual, provoca o desenvolvimento de habilidades como criatividade, iniciativa, curiosidade, determinação, compartilhares, comprometimento, perseverança, capacidade de elaboração e de fazer associações.

Segundo Ariens, a arte do Mestre em suscitar a sabedoria na vida, consiste em trazer flexibilidade e desapego. Quanto mais flexibilidade, mais sabedoria. Raramente a rigidez nos leva à evolução. Para encontrar soluções novas é preciso abrir mão e se desapegar de idéias fixas. Em situações de incerteza, é bem comum buscarmos o controle, o seguro, o conhecido. Mas é justamente nessa hora que precisamos confiar. A confiança é o oposto do controle e o desapego nos ensina a soltar, a observar nossas reações diante de um desafio, ao invés de ser tomado pelas emoções. A leveza da confiança e o senso de humor trazem uma distância da situação que nos permite  olhar com objetividade para ela, tratando-a de uma forma mais sábia.

O Arquétipo do trapaceiro que algumas pessoas conseguem personificar muito bem, faz a pessoa aprender a rir de si mesma. O embusteiro, o trickster, outros nomes para esse mesmo arquétipo, trabalha na inversão. Se está sério demais faz rir, é o coiote da cultura norte-americana, que provoca uma queda para a pessoa se dar conta do que está fazendo. Cair e rir da queda, é pura sabedoria. O malandro na nossa cultura, que choca as pessoas ao mostrar-lhes seus apegos e hábitos arraigados, trabalham nas surpresas e no inesperado da vida. O sair da rotina, quebra padrões,  faz mais visível onde existe apego que nos leva à rigidez e controle. Rigidez nos lembra a morte, corpo rígido e sem vida. Flexibilidade possibilita o fluir da vida. O senso de humor é fundamental pois ele solta o corpo, e nos matem flexíveis, gerando abertura para criatividade.

O desapego aos resultados, parece ser a orientação maior do Arquétipo do Mestre. Estamos acostumados por um tipo rígido de educação, a querer encontrar sempre a resposta certa.  Se temos a abertura do desapego estaremos envolvidos a querer encontrar a melhor resposta. Segundo Harrison Owen, existem quatro princípios do desapego que seguem o princípio da aceitação, que permite manter nossa mente aberta para novos resultados, são eles: “Quem quer que esteja presente é a pessoa certa para estar aqui; Seja quando for que comecemos, é sempre o tempo certo; O que acontece é a única coisa que poderia ter acontecido; Quando acaba, acaba.”

Aceitamos as experiências tais quais elas são, ou relutamos o tempo todo com o que se apresenta?  Outro meio de aprendermos sobre o desapego se dá através da perda. Segundo William Bridges toda perda se encaixa numa dessas seis categorias: perda de laços, perda de rumo, perda de estrutura, perda de um futuro, perda de significado, perda de controle. Quando realmente não tem jeito e o desapego é uma ordem, vai sofrer mais quem reluta. O novo sempre vem, independente de estarmos preparados ou não.

Podemos aprender lições de nossos ancestrais, através de seus ensinamentos de vida, modelos e lições transmitidas. Que heranças boas, verdadeiras e belas você tem recebido de seus pais, avós? Verdadeiras bênçãos de vida que quando honramos só nos fortalece.

Nossos mestres podem ser qualquer pessoa que nos faça agregar mais sabedoria à vida, podem ser familiares, amigos e até mesmo inimigos. Esses são então os que ensinam as mais profundas lições. E não podemos esquecer dos mestres históricos, figuras consagradas e também os mestres espirituais e do mestre interior, esse que apenas com o silêncio e isolamento  podemos acessar a sua voz.

Sílvia Rocha – psicóloga transpessoal junguiana, arteterapeuta. Crp: 05/21756



OS: Dedico este artigo a todos os mestres que passaram em minha vida, que estão e ainda vão passar. A meus ancestrais, principalmente a meus pais. A meus clientes e alunos que fazem de mim mestra e eterna aprendiz.

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Espelho espelho meu...


Espelho espelho meu...

“Não vemos as coisas como são, vemos as coisas como somos”- Humberto Maturana

                Ainda sobre o arquétipo do visionário, da obra de Angeles Ariens, O Caminho Quádruplo, citado na outra semana, podemos nos deparar com nossa capacidade de ver. Ver o outro, a realidade, a si mesmo. Achamos que vemos nitidamente, porém estamos influenciados e cheios de referências internas que não nos ajudam a ver com clareza.

Com o conceito de Auto-poieses de Maturana e Varela, cai por terra a baixo a noção de que podemos apreender o mundo através de nossas percepções. Auto (si mesmo) Poiesis (criação ou produção) significa que estamos a todo momento nos auto-criando e reforçando nossa identidade de quem acreditamos que somos.  A realidade não entra de fora para dentro, não construímos  representações de uma realidade exterior objetiva. E sim atribuímos ao ambiente, padrões de comportamento de nossa lógica interna de organização. Através da contínua atualização dos padrões internos estamos permanentemente produzindo a nós mesmos numa auto-organização.

Assim nossas crenças a respeito do mundo, das pessoas, das relações, dos sistemas políticos, e de nós mesmos, fazem uma retroalimentação e continuam a se manifestar mesmo que não concordemos ou até mesmo não desejemos manter as coisas como estão. Reforçamos o que percebemos e o que percebemos tem a ver com quem somos. Então, precisamos mudar a nós mesmos se o que vemos não nos agrada. Não estamos fora do mundo como um expectador que pode julgar e criticar o que vê sem se implicar nele. Desde o advento da Física quântica não podemos mais falar em neutralidade do observador. Influenciamos o que vemos.

Em outras palavras projetamos quem somos na realidade que vemos. Percebemos através de filtros, selecionamos de acordo com nosso mapa interno. Por isso é preciso questionar sempre a formação destes filtros e limpá-los de vez em quando. A auto-reflexão parece ser o caminho para essa “limpeza”.  É o espelho se voltando para dentro. Se pararmos pra pensar que o que estamos vendo é um reflexo nosso, podemos talvez começar a ter alguma abertura para o novo.

Questionar que crenças nutrimos sobre nós mesmos vai nos dizer sobre nossa auto-estima e auto-valorização. Para quem não tem costume de se auto-observar e trabalhar sobre seu próprio auto-conhecimento, projetar em outra pessoa tanto seu lado admirável quanto seu lado abominável, torna-se fácil. Partes não integradas pela consciência vão para o lado de fora. Assim se não assumo minha capacidade de liderança, percebo-a em alguém que exerce-a com brilhantismo e posso passar a admirar essa pessoa, acreditando que nunca serei como ela. São chamados de espelhos claros, segundo Ariens, aqueles que nos refletem, porém continuamos a idealizar. Não somos capazes de ver que também temos capacidade de liderança, por exemplo. Podemos trocar a liderança por beleza, inteligência, esperteza, simpatia, sociabilidade, poder, disposição, etc.

Quando essa admiração vem com um sentimento rancoroso, podemos chamá-la de inveja. Que nada mais é do que in (não) veja (ver), quando não vemos que também podemos ser como o outro. Somos todos espelhos uns para os outros. E podemos trocar a inveja ou admiração por inspiração. O que o outro me provoca pode ser de grande valia para meu próprio desenvolvimento. Ele pode me inspirar a também alcançar algo. Basta sair da atitude comodista de apontar o dedo para o outro e mergulhar em si mesmo.

Espelhos esfumaçados são as pessoas com as quais sentimos dificuldades e não queremos parecer com elas de jeito nenhum. Como filhos que não querem se parecer com seus pais e de tanto fugirem dessa imagem acabam por imitá-los mais cedo ou mais tarde. Espelhos rachados são as pessoas que amamos e admiramos, mas por algum motivo sentimos medo ou constrangimento diante delas. Para perceber uma projeção, basta pensar em algo que o irrita muito no outro. Agora pare para pensar se isso faz parte de você, aquilo que você deseja fortemente esconder. O conteúdo da projeção geralmente tem uma carga emocional e energética forte, tanto boa quanto ruim.

É difícil ver o outro como ele realmente é, uma boa dose de projeção e fantasia sempre acontece. É incrível como alguns jovens casais apaixonados que acreditam que encontraram suas almas gêmeas no início, passam a odiar seus respectivos com o tempo. A base da decepção é a projeção, quando tapamos o sol com a peneira, e só queremos ver o que o outro tem de bom. Conhecer o outro requer tempo e maturidade.

 Todo ser humano é um conjunto muito interessante de luz e sombra. E se dermos oportunidade aqueles que nos espelham podem se tornar nossos grandes mestres.

Sílvia Rocha - psicóloga

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Arquétipo do Visionário


Arquétipo do Visionário

“Se você não dá expressão às suas próprias idéias,

se não dá ouvidos a seu próprio ser, você trai a si mesmo.” Rollo May

 

                Em março deste ano escrevi sobre o arquétipo do guerreiro, presente em todas as culturas, segundo a antropóloga Angeles Ariens. Arquétipos são estruturas inconscientes existentes na psique coletiva da humanidade. Ariens em sua pesquisa transcultural consegue traçar paralelos, enxergar a interface de aspectos que permeiam os primeiros povos de todo planeta e nossa civilização ocidental. Nessa enxurrada de informações, opiniões e notícias que nos assaltam todos os dias, não podemos esquecer de que existe algo que vem de dentro, algo que sabe e algo que vê, uma parte nossa que intui, é instintiva e que pode ter sido ocultada pelos excessos que cometemos.

                No caminho quádruplo, Ariens torna acessível a sabedoria dos povos nativos vinda de um contato maior com a natureza e seus ciclos, contato esse que também temos, mas que encobrimos devido a nosso estilo de vida urbano. Além do guerreiro, os arquétipos do visionário, curador e mestre são presentes em nós, adormecidos ou não. Nossos instintos nos ajudam a viver, trazem a força necessária à sobrevivência. Viver apenas no intelecto ou na emoção não trazem a ação para a  conquista de seu próprio espaço de realização na vida.

                Pelo caminho do Visionário é possível expressar a criatividade trazendo ao mundo uma visão pessoal. Segundo os nativos cada pessoa possui um sagrado ponto de vista. Todos são valorizados desde a criança até os mais velhos. A criança traz a pureza e autenticidade das emoções e os mais velhos a experiência de vida, a sabedoria. Homens e mulheres, jovens e adultos, todos tem suas visões e ideais e quando expressos formam uma visão coletiva da comunidade.

                Numa organização, faz parte do planejamento estratégico encontrar a missão, a visão e os valores que guiarão as pessoas que trabalham nela, balizando comportamentos esperados e condutas almejadas para um fim comum. Missão é aonde a organização quer chegar, um ponto futuro para a qual é desejado que todos dirijam seus esforços. Visão é o que ela vai estar fazendo quando chegar lá e os valores regem o como chegarão lá. Cada pessoa tem sua missão na vida, que precisa descobrir e pode construir uma visão do que seria alcançá-la e de que forma.

                O arquétipo do visionário inspira o sonho ou propósito de vida e a seguir firmemente no caminho da verdade que a autenticidade dos sonhos pedem. Os xamãs toltecas nos contam que as pessoas deveriam seguir quatro compromissos para trilhar um caminho digno, honrado e feliz na vida. Um deles é a impecabilidade com a palavra, dizer sempre a verdade ou aquilo que acredita que é certo. É claro que esta comunicação íntegra precisa avaliar o momento, o contexto e se o receptor está apto a ouvir. Os outros compromisso são: Não leve nada para o pessoal, não tire conclusões e dê sempre o melhor de si. Segundo Don Miguel Ruiz esses compromissos o levam a libertar da ilusão e ser fiel a sua própria verdade.

                Muitas pessoas não fazem contato com seus sonhos ou o colocam nas mãos de outros. Não se dão conta que valores ou compromissos regem suas vidas e muito menos por qual visão estão lutando.

                O que ocorre muitas vezes é uma neblina encobrindo a visão, são padrões de negação e indulgência. Quando vemos as coisas como queremos ver e não como elas realmente são. A sombra do Visionário é a abnegação, que se trata da renúncia a si mesmo por medo de perder o amor de alguém: “Se eu expressar o que eu vejo ele não vai mais gostar de mim”. Para obter aceitação e aprovação: “é melhor fingir ser outra pessoa”. Para manter a paz e o equilíbrio: “Melhor me calar diante das dificuldades.”

                Dizer a verdade sem críticas ou julgamentos, destrói padrões de negação, trazendo o confronto com a situação real e saindo da ilusão. A verdade às vezes pode doer, mas cria uma ponte de confiança e uma aproximação com o outro. Ter a coragem de ser quem somos é caminhar em direção oposta à abnegação. Para isto é importante observar se meu senso de auto-valorização está maior do que minha auto-crítica.

                Para acessar o visionário, sonhar e perceber sua própria verdade podemos lançar mão de alguns meios como: meditar, rezar, contemplar. Ninguém encontra o seu ser mais profundo com uma mente cheia de burburinhos. Respeitamos o visionário que há em nós quando damos voz ao que vemos, sentimos, sonhamos.

                Alguns xamãs fazem uma busca de visão no alto da montanha, onde passam dias sem comer e nem beber até que uma visão de vida apareça.  Uma introspecção profunda é acompanhada de uma revelação. Ás vezes ela vem quando estamos distraídos brincando saudavelmente. A autenticidade e espontaneidade aparecem quando estamos mais relaxados do que quando ansiamos por algo. Para isso basta observar uma criança, nossos pequenos mestres visionários.
Sílvia Rocha

 

 

domingo, 21 de setembro de 2014

Ansiedade


Ansiedade

“Viver bem a vida é um projeto ambicioso, mas de que vale a vida se não ousarmos vivê-la bem? (...) Se poetássemos e filosofássemos mais, adoeceríamos menos.” Julio Parreira

                Quem nunca sentiu ansiedade ao esperar um telefonema de emprego, um resultado de um concurso, de um exame médico, a volta de um filho à casa ou  a ligação de um paquera? Ansiar que algo aconteça ou não aconteça, de bom ou de ruim é viver num espaço de tempo entre o agora e o depois. Quem se atrasa para compromissos e não gosta de deixar ninguém esperando, também vive na ansiedade do tempo.

A ansiedade prepara o organismo para lutar ou fugir. É o que acontece quando temos uma preocupação, uma reação fisiológica natural:            Os batimentos cardíacos aumentam, a respiração fica mais superficial e rápida, preparando o corpo para agir: ataque ou defesa! Só que o que ocorre na maioria das vezes é que muito das preocupações que temos e das fantasias de coisas que podem vir a acontecer, não acontecem. O stress toma conta e a ansiedade é retroalimentada, generalizando-se e desenvolvendo um transtorno.

Essas fantasias catastróficas são causadas por um mundo interno em conflito, mais imaginário que real. É uma sensação de vulnerabilidade e desproteção, num cenário ameaçador onde o corpo físico sempre a postos não tem possibilidade de relaxar. As preocupações desproporcionais, além do limite do real,  tomam conta e caracterizam um transtorno de ansiedade generalizada. Esse estado de tensão acaba por criar dores no corpo, na cabeça, dificuldades na respiração ou sensação de nó na garganta, insônia, náuseas, tontura, sensação de irrealidade (estranheza com o ambiente ou consigo mesmo), calafrios, formigamento, taquicardia dentre outros.

A mente acelerada cria este estado de tensão ininterrupta. Pensamentos acelerados são decorrentes de um estilo de vida pouco natural e cheia de excessos. Excesso de informação, de trabalho mental, de uso de aparelhos eletrônicos, excesso de estímulos. Os pensamentos vêm quase autônomos, repetidos e persistentes, invadem a mente e ficam martelando. São preocupações incontroláveis com pensamentos perturbadores e a espera é pelo pior. Quando começam a atrapalhar as tarefas diárias é que normalmente a pessoa tenta pedir a ajuda, seja pelos sintomas físicos ou pelo sofrimento psíquico.

É muito gasto de energia e a criatividade que é responsável pela saúde mental da pessoa, fica embotada, debilitada. É hora de acordar e não esperar que a ansiedade quase enlouqueça para tomar uma providência. Dar-se conta de que a ansiedade está dominando e a qualidade de vida está prejudicada, é o primeiro passo. Assumir que tem ansiedade é ter consciência da dificuldade. Quem não se incomoda não vai fazer por onde mudar.  Ficar atento aos momentos mais críticos e que alerta ela vem mostrar: medo de perder alguém ou algo, medo de não dar conta, medo de ser criticado, medo de errar. A ansiedade tem a ver com medo e a falta de seu oposto: a confiança. Negar sua existência é permanecer no problema. Confrontá-lo é perceber para onde aponta o desequilíbrio.

O tratamento do transtorno de ansiedade generalizado vai desde uma consulta médica para medicação alopática ou natural até exercícios físicos, acupuntura, yoga, visualização e relaxamento, além de elaboração de conteúdos conflitantes internos numa psicoterapia.

Vivemos numa sociedade ansiogênica, onde o ritmo cobrado não é o ritmo natural do ser humano. Descansamos menos do que precisamos, temos menos lazer do que necessitamos, e nos relacionamos com os outros mais superficialmente do que nossa alma pede e ainda não sabemos onde buscar o equilíbrio. O corpo e a vida vão cobrar,  se continuarmos  assim. Trocar o atendimento às expectativas dos outros por um auto-atendimento. Buscar momentos de relaxamento, situações e relacionamentos que fortalecem, dar risadas, aproveitar o momento para ficar presente, sem lamentar o passado e nem ansiar o futuro.

Tem gente que acha normal viver comprimido. Relaxar dá culpa.  É preciso mais paciência e tolerância consigo mesmo e com o outro. Um belo exercício  para começar esta mudança de padrão é abrir um espaço de contemplação em algum momento do dia. Olhar o pôr do sol, admirar uma árvore que floresceu, um animal brincando, uma criança rindo, o som das maritacas, o céu estrelado...

A criatividade pode também alcançar outros momentos de relaxar e desopilar. O simples, o belo e natural encontrado na natureza pode inspirar os movimentos mais saudáveis e mais harmônicos para o nosso ser. Precisamos romper essa casca da segurança ilusória e encontrar o centro de nosso próprio ser, que acalma e traz serenidade.

Vivemos num tempo e num mundo onde ser feliz é ousadia! Como diz Gilberto Gil: “O melhor lugar do mundo é aqui e agora.”

 

Sílvia Rocha – Psicóloga – crp: 05/21756 contao: silviaayani@gmail.com

www.silviarenatarocha.blogspot.com.br